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Entrevista: Soraya Carvalho

Segundo psicóloga, suicídio é hoje uma questão de saúde pública.

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A psicóloga e psicanalista, Soraya Carvalho, apresentou a palestra "A Morte Pode Esperar - Especificidades éticas e clínicas do suicídio", na Unidade Acadêmica Brotas, no dia 6 de agosto. A atividade celebrou os 15 anos do Núcleo de Atenção Psicopedagógica - NAPP. Confira a entrevista.

 
Soraya Carvalho - Psicóloga e psicanalista, coordenadora do Núcleo
de Estudo e Prevenção do Suicídio (NEPS/SESAB).


Segundo sua fala na palestra "A Morte Pode Esperar?", o suicídio é visto hoje como um problema de saúde pública. Como intervir e tratar pacientes sem confrontá-los com o desejo de não se tratar? 

Soraya Carvalho – O suicídio é considerado um grave problema de saúde pública mundial, em decorrência das suas alarmantes taxas verificadas em todo o planeta. Segundo a OMS, são registrados 1 milhão de suicídios por ano no mundo, o que equivale a um suicídio a cada 40 segundos e, segundo o último relatório da OMS, publicado em 2014, em números absolutos, o Brasil ocupa o 8º lugar no ranking mundial. Intervir e tratar pessoas que já se decidiram pela morte é um desafio não apenas para o psicólogo, mas para todo profissional da saúde, principalmente pelo fato de esses pacientes normalmente não desejarem se tratar, razão pela qual não procuram ou demandam um tratamento, mas são levados pela família ou por amigos. Dessa forma, o primeiro e decisivo passo no manejo clínico com esses pacientes consiste em fazer com que uma demanda de tratamento possa advir. Para que isso aconteça, o paciente não deve, em um primeiro momento, ser confrontado com seu desejo, mas ser convidado a falar sobre seu sofrimento, e, somente a posteriori, quando a transferência já estiver estabelecida, o analista poderá colocar a questão sobre o desejo. 

O NEPS é também um núcleo de prevenção. Em que consiste a prevenção ao ato do suicídio?

Soraya Carvalho – Estudos mostram uma elevada correlação entre suicídio e transtorno mental, sendo a depressão o transtorno de maior prevalência. Por essa razão, o tratamento de transtornos mentais constitui uma estratégia essencial na prevenção do suicídio. O NEPS – Núcleo de Estudo e Prevenção do Suicídio é um ambulatório de saúde mental e um dos serviços oferecidos pelo CIAVE – Centro de Informação Antiveneno, Centro de Referência em Toxicologia do Estado da Bahia, que funciona em um anexo do Hospital Geral Roberto Santos. A prevenção do suicídio realizada pelo NEPS consiste no acompanhamento psicoterápico, psiquiátrico e de terapia ocupacional voltado a pacientes com depressão grave e em risco de suicídio, que já tenham ou não atentado contra a própria vida. Todavia, eu acredito que a prevenção do suicídio que propomos no NEPS não consiste simplesmente na oferta de tratamentos diversos, mas, antes, no acolhimento desses sujeitos que se encontram em situação de crise, mergulhados em uma angústia desmedida e que veem a morte como única saída para livrá-los do seu sofrimento. A proposta consiste na oferta de um lugar onde eles possam ser escutados com atenção, interesse e neutralidade e possam construir novos laços com pessoas nos grupos que participam no NEPS. Em suma, um lugar onde possam falar e serem ouvidos com respeito e dignidade.

Você citou alguns casos em que os próprios profissionais de saúde não têm conhecimento e capacidade para abordar o paciente. O que hoje é feito nesse sentido a fim de minimizar o mau atendimento? 

Soraya Carvalho – O CIAVE/NEPS, ao longo de sete anos, desenvolveu diversos cursos de capacitação na área de toxicologia clínica e na área específica do suicídio, “Abordagem ao paciente suicida”, destinado a profissionais da saúde geral, médicos, enfermeiros(as), psicólogos(as), assistentes sociais etc. e agentes comunitários, na capital e no interior do estado. Infelizmente, a frequência do profissional médico nesses cursos é sempre muito baixa em todo o Brasil. Atualmente, estamos confeccionando um curso de capacitação para profissionais da saúde mental. Mas, sem dúvida, ainda é incipiente o trabalho de capacitação das equipes da saúde geral para trabalharem com o suicídio. Temos muito ainda a fazer.  

Muitas vezes, por preconceito ou ignorância, a família nega o estado de doença mental do paciente (que pode estar, por exemplo, em um quadro de depressão grave). O terapeuta deve estabelecer uma comunicação com a família sobre o estado do paciente?

Soraya Carvalho – Sim, quando estamos diante de um quadro de depressão grave, sabemos que o risco de suicídio é alto, por isso, é fundamental conversar com o paciente e convencê-lo acerca da importância de fazer um contato com sua família para informá-la sobre a gravidade do caso. Normalmente, oferecemos ao paciente a possibilidade de estar presente durante o atendimento com seus familiares, mas lhe facultamos o direito de não querer participar. Devemos sempre combinar com o ele o que será tratado e, caso ele não queira estar presente, torná-lo ciente do que foi abordado em sua ausência.  

Como serviços como o NAPP (que estão inseridos em instituições de ensino) podem servir como núcleos de prevenção ao suicídio?

Soraya Carvalho – Segundo a idealizadora do NAPP, a Prof.ª Mônica Daltro, a criação do NAPP foi motivada por uma dura realidade: a elevada incidência de casos de suicídio entre estudantes dos cursos de medicina nas mais diversas faculdades. O NAPP foi inicialmente criado para atender a essa demanda, mas, ao longo desses 15 anos, a extensão do seu trabalho foi além da ideia inicial e hoje pode ser observado em diferentes âmbitos. 

Estudos mostram que o suicídio entre jovens de 15 a 29 anos se constitui na segunda causa de morte no mundo. Em alguns países, se configura como a primeira causa e, no Brasil, é a terceira, só perdendo para os homicídios e as mortes no trânsito. Ora, se a mortalidade por suicídio entre os jovens é tão elevada e, se consideramos que nessa faixa etária a maioria deles estão em uma escola ou em uma faculdade, a oferta de serviços como o NAPP em instituições de ensino é extremamente importante para a prevenção do suicídio. Por isso, nesse aniversário de 15 anos, quero desejar: “VIDA LONGA AO NAPP!”